Hans Kelsen

    Quanto à Norma Fundamental de Kelsen, há de se entender que no topo do ordenamento jurídico brasileiro está a norma posta Constituição da República e as que na base da hierarquia estão procedimentos como Resoluções, Portarias e Regulamentos internos. Nesse contexto, a decisão do síndico de um edifício ao determinar que um elevador atenda aos andares pares e outro aos andares ímpares, pode ser uma das normas mais inferiores juridicamente válidas.

    Entre a Constituição no topo e o Regulamento interno na base, estão as Leis Complementares, as Leis Ordinárias e as Decisões Judiciais.

    Acima da Constituição, está a Norma Fundamental não posta, mas pressuposta, conforme veremos a seguir. Em termos mais simples,  no entanto, podemos conclujir que a Norma Fundamental é a própria noção de Direito, intuitiva e subjetiva, originada em Deus.

  

Norma fundamental de Hans Kelsen

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A Norma Fundamental é um conceito de Teoria do Direito desenvolvido pelo jurista austríaco Hans Kelsen, no âmbito de sua Teoria Pura do Direito. Para Kelsen, a Norma Fundamental é uma norma pressuposta no plano lógico jurídico, sendo fundamento último de validade do ordenamento jurídico.

Índice

Conceito

A partir de uma forte influência do pensamento epistemológico de Immanuel Kant, Kelsen concebe o ordenamento jurídico como sendo um conjunto hierarquizado de normas jurídicas, que se estruturam de forma escalona e ordenada. No entanto, essa hierarquia não é interminável; assim, a mais alta norma dessa hierarquia não possui como critério de sua validade uma norma superior, tendo em vista que esta norma é o ponto máximo da hierarquia de um determinado ordenamento jurídico. Como norma mais elevada e fundamento de validade de todas as normas de um ordenamento, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada (Kelsen, 1999, p. 217). Sendo assim, esta norma, como sendo pressuposta, é designada por Kelsen como sendo “a normal fundamental” (Groundnorm), cuja validade objetiva não pode ser posta em questão.

Kelsen oferece um exemplo do conceito de norma fundamental: “devemos obedecer às ordens de Deus; Deus ordenou que obedeçamos às ordens dos nossos pais. Logo, devemos obedecer às ordens de nossos pais” (Kelsen, 1999, p. 221). Conforme esse exemplo, temos a norma “obedecer aos pais” com sua validade objetiva sendo dada pela norma “devemos obedecer à Deus” que, por si, não pode ser objetivamente contestada pro outra norma superior, sendo, neste exemplo, a “norma fundamental”. Nesse sentido, a norma fundamental de um ordenamento jurídico positivo não é nada mais que uma regra fundamental, conforme a qual são produzidas as normas do ordenamento jurídico, a criação da estabilidade fundamental da produção jurídico (Kelsen, 2006, p. 96).

Com base em sua Teoria Pura do Direito e sendo esta uma construção teórica inserida no positivismo jurídico, Kelsen não reconhece qualquer regra moral ou lei natural como critério de validade de outra norma positiva, motivo pelo qual rejeita considerações moralistas a respeito da validade da norma fundamental; trata-se assim de uma teoria formal de validade, em que a validade da norma depende de elementos que não levam em consideração o mérito das normas (Dimitri, p. 278).

Outros juristas também compartilharam com Kelsen a ideia de uma “regra fundamental” nos ordenamentos jurídicos. Norberto Bobbio, em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico” (na qual este expressamente reconhece que sua teoria é uma complementação ou continuação ao trabalho de Kelsen), reconhece a existência de uma norma fundamental como “fundamento subentendido da legitimidade de todo o sistema” (Bobbio, p. 60). Alf Ross também aceita, em sua teoria, a existência de uma norma pressuposta que atribui validade ao sistema normativo (Barzotto, p. 87).

Características

Validade

Para Kelsen, há a assunção de que a norma fundamental é pressuposta. É um pressuposto baseado na razão (dogmática) que, conforme observa Tércio de Sampaio Ferraz, “ela encarna o próprio princípio da inegabilidade dos pontos de partida”(Júnior, 2003, p. 1888), sendo condição sine qua non para o estudo dogmático do Direito. No entanto, não se pode falar que a “norma fundamental” é tão-somente uma ficção positivista: a norma fundamental refere-se a uma determinada realidade. Segundo Krishnan, a norma fundamental deriva do fato de que foi aceita por um número suficiente de membros de determinada comunidade, podendo ser identificada como uma regra fundacional simplesmente por não depender de outra norma superior, e sim pela simples aceitação, como válida, pelos membros dessa comunidade (Krishnan, 2009, p. 7).

Conteúdo

Para Kelsen, a Norma Fundamental de uma ordem jurídica não é uma norma material (Kelsen, 1999, p. 221), sendo uma regra puramente formal.

Segundo Kelsen, "o sistema de normas do tipo estático afirma que a conduta dos indivíduos por elas determinada, é considerada como devida (devendo ser) por força do seu conteúdo: porque a sua validade pode ser reconduzida a uma norma a cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, como o particular ao geral."(Kelsen, 1999, 217).

No entanto, Kelsen formula uma teoria do Direito como conceito dinâmico, em que não se fornece quaisquer respostas sobre o conteúdo do Direito, sendo este “algo criado por certo processo, e tudo que é criado desse modo é Direito”(Kelsen, 2000, p. 179). Dessa forma, Kelsen afirma que todo e qualquer conteúdo pode ser Direito, sendo que a validade de um sistema jurídico não pode ser negada pelo fato de o seu conteúdo contrariar o de uma outra norma que não pertença à ordem jurídica cuja norma fundamental é o fundamento de validade da norma em questão. A norma fundamental, dessa forma, é descrita como um mero ponto de partida do processo de construção do ordenamento jurídico, não prescrevendo qualquer conteúdo material.

Norma Hipotética vs. Norma Fictícia

Em suas primeiras formulações a respeito da Norma Fundamental, Kelsen, ainda que reconheça as normas como expressão da vontade dos indivíduos, caracteriza a Norma Fundamental como uma ferramenta epistemológica para que se possa pressupor a validade do ordenamento jurídico, através de uma suposição hipotética; dessa forma, ao tratá-la como hipótese, Kelsen assume que a Norma Fundamental é fruto de um ato de cognição, e não de vontade (Spaak, 2010).

Em seus trabalhos posteriores, Kelsen mudou sua posição, ao sugerir que a Norma Fundamental é, na verdade, uma norma fictícia, “meramente pensada, produto de um mero ato de vontade também fictício” (José Florentino Duarte in Kelsen, 1986, p. IX). Fortemente influenciado pela Teoria do “Como Se” do filósofo alemão Hans Vaihinger, Kelsen passa a defender que a pressuposição da Norma Fundamental envolve uma importante correlação entre vontade e cognição: na medida em que essa ficção envolve também a pressuposição de uma autoridade (também fictícia) responsável por emanar a Norma Fundamental e que não corresponde a realidade (Kelsen, 1986, p. 328-329).

Crítica

A teoria da Norma Fundamental de Kelsen foi alvo de diversas críticas. [H. L. A. Hart]] dispôs que:

"A norma fundamental de Kelsen tem, num certo sentido, sempre o mesmo conteúdo; porque é, em todos os sistemas jurídicos, simplesmente a regra de que a constituição ou aqueles “que estatuíram a primeira constituição” devem ser obedecidos; esta aparência de uniformidade e simplicidade pode ser enganadora. Se uma constituição que especifique as várias fontes de direito for uma realidade viva, no sentido de que os tribunais e funcionários do sistema efetivamente identificam o direito de acordo com os critérios que prevê, então essa constituição é aceite e existe efetivamente. Parece ser uma duplicação repetida e inútil sugerir que há uma regra ulterior estabelecendo que a constituição (ou aqueles que “a editaram”) deve ser obedecida. Isso é particularmente claro onde, como no Reino Unido, não há constituição escrita: aqui parece não haver lugar para a regra “de que a constituição deve ser obedecida” em aditamento à regra de que certos critérios de validade (por ex., a promulgação da Rainha no Parlamento) devem ser utilizados ao identificar o direito. Tal é a regra aceite e considera-se causador de mistificação falar de uma regra, dizendo que essa regra deve ser obedecida (Hart, 1994, p. 275)".

Ao formular o conceito de Regra de Reconhecimento, Hart oferecia o que, a seu ver, trata-se de uma evolução da Norma Fundalmental. Para Juliano Aparecido Rinck, “A regra de reconhecimento, de caráter secundário, consiste na regra suprema do sistema jurídico, que estabelece quais as que devem ser reconhecidas como juridicamente válidas, ou seja, identifica quais regras diretas, regras primárias de obrigação, devem pertencer ao sistema normativo. A regra de reconhecimento não se apresenta de forma explícita, já que depende (e decorre) do comportamento dos agentes estatais, dos tribunais e dos particulares; assim, compreende-se a visão hartiana de direito como prática social, visto que o critério de validade consiste numa conduta social que reconhece, para determinado país e momento histórico, o que é direito válido” (Rinck, 2007).

Segundo Schiavello (2004), tanto a Norma Fundamental quanto a Regra de Reconhecimento são consideradas por seus autores regras superiors do ordenamento jurídico; no entanto, a noção de validade não é aplicável para a Regra de Reconhecimento, visto que seu autor a enxerga como produto de uma prática social, podendo assim assumir caráter empírico, enquanto a Norma Fundamental de Kelsen possui uma existência metafísica em que a noção da validade é central para seu pensamento.

Wacks (2012, p. 96) propõe um comparativo entre os dois conceitos, da seguinte forma:

Regra de Reconhecimento

Norma Fundamental

Não depende de coerção para sua validade

É baseada na coerção

Sua existência é uma questão de fato

É ficcionalmente pressuposta

Sua função é fornecer um critério de reconhecimento para a identificação de regras

Sua função é validar todas as normas de um sistema

Pode incluir vários critérios de validade

Só existe uma norma fundamental

Fornece validade às regras dentro de um ordenamento jurídico ao permitir que oficiais reconheçam outras normas secundárias e primárias

Fornece validade a todo ordenamento jurídico, e também é fonte de todas as outras normas

Fornece unidade ao ordenamento jurídico

Permite que o aplicador do direito interprete a validade das normas em um campo de significação não-contraditório

Sua validade (que não possui qualquer importância em sua teoria) não pode ser demonstrada; ela simplesmente existe

É pressuposta em termos de eficácia; dessa forma, precisa ser válida

Não há conexão necessária entre a validade e eficácia de uma regra (salvo se a regra de reconhecimento contiver essa previsão)

A sua escolha não é arbitrária e depende necessariamente da eficácia

Joseph Raz sugere que Kelsen intepretou equivocadamente algumas ideias fundamentais de Kant para formular a Norma Fundamental, direcionando suas críticas tanto à ideia de que a Norma Fundamental promove a unidade de determinado ordenamento quanto à ideia de que a validade de todas as normas de determinado ordenamento derivam necessariamente da Norma Fundamental (Raz, 1982).

Ainda, a Norma Fundamental também recebeu críticas de juristas vinculados às correntes do moralismo jurídico, defendendo que a existência da Norma Fundamental explica a validade de “non-rule standards” (conforme a obra de Ronald Dworkin) como os princípios (Wacks, 2012, p. 105).

Bibliografia

  • BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo. Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.
  • BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1995.
  • DIMITRI, Dimoulis. Positivismo Jurídico: Introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006.
  • HART, H.L.A.., Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
  • JÚNIOR, T. S. F.. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003.
  • KELSEN, H. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
  • KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986.
  • KELSEN, H. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
  • KELSEN, H. Teoria Pura do Direito: versão condensada pelo próprio autor. São Paulo: RT, 2006.
  • KRISHNAN, A. A Concise Interpretation of Hans Kelsen’s Pure Theory of Law. Available at SSRN 1521569, 2009.
  • RINCK, Juliano Aparecido. Positivismos: uma reflexão conceitual interna sobre Kelsen, Ross e Hart. PHRONESIS: Revista do Curso de Direito da FEAD, n. 3, Junho/2007.
  • RAZ, Joseph. The authority of law: Essays on law and morality. Oxford: Clarendon Press, 1979.
  • ROSS, Alf. Direito e justiça. São Paulo: Edipro, 2000.
  • SCHIAVELLO, Aldo. Il positivismo giuridico dopo Herbert L. A. Hart. Un’introduzione critica. Torino: Giappichelli, 2004.
  • SPAAK, Torben. Kelsen and Hart on the Normativity of Law. Stockholm Institute for Scandinavian Law, 2010.
  • WACKS, R. Understanding Jurisprudence: An Introduction to Legal Theory. Orford: OUP Oxford, 2012.

 

 

Erros comuns na interpretação de Hans Kelsen, por Felipe Pires Morandini

Hans Kelsen é um dos maiores pensadores da área jurídica. Conhecido como "o Mestre de Viena", suas obras são lidas em praticamente todas as faculdades de Direito do país e do mundo. Ao trazer a corrente neopositivista ao Direito, criando o Positivismo jurídico, transformou o Direito em ciência propriamente dita, estabelecendo limites para a atuação dessa ciência. Porém, mesmo sendo tão lido, chega a ser impressionante o número de alunos, professores e escritores do Direito que o interpretam de maneira errônea.

O primeiro erro interpretativo é dizer que Kelsen "esquece da realidade", tornando o Direito injusto. Não é verdade. Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito apenas estabelece limites para a ciência jurídica, ou seja, o direito é estudado de maneira pura, sem a interferência das ciências correlatas. É inegável que a Sociologia, a Filosofia, a Ciência Política, a Psicologia Jurídica, etc. São matérias de grande importância para o Direito e sua atuação prática, mas deve-se saber separar as dimensões do "ser" e do "dever ser", ou seja, deve-se separar o que é (Os fenômenos sociais) do que deve ser (A norma jurídica).

Aduz Herman Heller, em sua Teoria do Estado:

"O maior perigo dessa 'science pour la science' surge quando, prescindindo olimpicamente dos dados da realidade, eleva ao absoluto um valor social parcial, com o qual pode, certamente, construir um sistema sem contradições que apresenta, sobretudo, um valor estético, porém que, na mesma medida, se distancia do conhecimento, cheio de sentido, da realidade e da direção da conduta social de acordo com um fim. Isso é aplicável tanto à lógica normativa sem Estado de Kelsen como ao decisionismo sem normas de Carl Schmitt.

O leitor atento de Kelsen nota que"prescindir olimpicamente dos dados da realidade"não era, em nenhum momento, seu objetivo. O objetivo da Teoria Pura era meramente de transformar o Direito em ciência empírica, ou seja, de transformá-lo apenas a nível científico, quando diz, em sua Teoria geral do Direito e do Estado:

"Uma teoria do Direito perde seu caráter empírico e torna-se metafísica apenas se for além do Direito positivo e fizer enunciados sobre algum pretenso Direito natural."

A ciência do Direito baseada em Kelsen não"prescinde da realidade". Tal discurso é mera pretensão jusnaturalista. Kelsen apenas centraliza a ciência do Direito em seu objeto: A norma jurídica. O objeto da ciência do Direito não é um fenômeno físico ou psíquico, mas valorativo.

O próprio Kelsen coloca em Deus e Estado:

"A fronteira importante entre o método jurídico e o sociológico, que resulta da diversidade das formas, de serem consideradas ambas ciências, de forma que uma se dirige a um ser determinado, a saber, o fato social, e a outra a um dever ser determinado, a saber, o legal. É esta a fronteira que os juristas se sentem tentados a cruzar quando, além do reconhecimento de um dever, além de normas legais, aspiram a dar uma explicação do fato efetivo que deve ser regulamentado por essa norma jurídica". (Tradução própria)

Outro erro se encontra sob as palavras de Christian Delacampagne:

"Em outras palavras, levar a sério o direito que o indivíduo possui de rebelar-se contra esta ou aquela lei existente, quando ela lhe parece injusta, mesmo quando a lei em questão tenha sido objeto de uma decisão democrática refletindo a opinião da maioria dos cidadãos. [...] É uma tese audaciosa, pois equivale a restituir (contra Hobbes, contra kant, e contra o 'positivismo' de um jurista Kantiano como Hans Kelsen) um sentido forte ao direito de 'desobediência', direito invocado, com todas as letras, na Declaração de Independência americana e depois reivindicado por Henry David Thoureau"(DELACAMPAGNE, Christian. A Filosofia Política Hoje. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001)

Dizer que Kelsen se opunha à teoria da" desobediência "constitui erro interpretativo bastante comum dos leitores de Kelsen. Sua filosofia é relativista, e sua ciência é neutra. Nesse sentido, aduz, em A Democracia:

"O relativismo impõe ao indivíduo a difícil tarefa de decidir por si mesmo o que é certo e o que é errado. Isso implica, sem dúvida, uma séria responsabilidade, a mais séria responsabilidade moral que um homem pode assumir. O relativismo juspositivista significa autonomia moral".

Tendo isso em vista, me parece distante da realidade o argumento de que Kelsen pregava a subserviência ao estado. Tanto para ele quanto para Thoureau (cuja colocação como opostos foi, na minha opinião, um erro grosseiro) defendiam o livre-arbítrio. O Homem deve escolher por si só como agir, e construir seus próprios valores. Quando se fala no Direito punitivo, a colocação das normas como mandamentos traz a falsa noção de que se tratam de proibições, valores. Na verdade, são meramente a conexão de uma conduta como preceito, e de uma sanção como consequência jurídica, daí dizer que aquilo é" errado "vai de grande distância para o Mestre de Viena.

Voltando ao texto Deus e Estado de Kelsen:

"... Não é coisa rara observar o enorme e surpreendente poder que a autoridade social utiliza para constranger os homens, contrariando seus instintos mais profundos, a renegar de sua fundamental vontade de viver e de seu instinto de conservação, levando-os a se auto-sacrificarem com o maior júbilo."(Tradução própria)

A principal questão da filosofia juspositivista de Kelsen se encontra em seu livro O Problema da Justiça:

"O problema do Direito natural é o eterno problema daquilo que está por trás do Direito positivo. E quem procura uma resposta encontrará - temo - não a verdade absoluta de uma metafísica nem a justiça absoluta de um Direito natural. Quem levanta esse véu sem fechar os olhos vê-se fixado pelo olhar esbugalhado da Górgona do poder."

A partir daí constrói-se mais um pensamento importante de Kelsen. Para ele, não há"justiça absoluta","metafísica", etc. É aí que Kelsen contraria os jusnaturalistas: A" justiça "está no homem e no que ele crê como certo e errado, justo e injusto. Não há uma" justiça absoluta de um Direito natural ", como ele mesmo coloca, mas a vontade dos homens. Todo aquele que busca a Justiça absoluta, acaba encontrando a" Górgona do poder ", a representação da vontade humana.

Muitos desses erros são ocasionados, creio eu, por uma leitura desatenta da Teoria Pura do Direito, ou até pela leitura de outros autores que escrevem sobre Kelsen (com a mesma interpretação grosseira). Muitos alunos caem em informações falsas sobre o autor (me assusta quando tais informações são passadas por professores) e terminam por passar tais informações a frente, constituindo um senso comum bizarro sobre o assunto. Meu conselho é sempre que leiam o autor, e não fiquem confiando em autores que falam sobre o autor, pois muitas vezes o interpretam de maneira errada, levando o estudante a erro. Espero ter esclarecido algumas dúvidas sobre Kelsen. Acho injusto que um mestre de seu tamanho receba esse tratamento injusto e falacioso por parte de autores e professores do Direito.

Felipe Pires Morandini

Felipe Pires Morandini

Estudante de Direito, da FMU de São Paulo